quarta-feira, 22 de maio de 2019




[i]Comentário de João Calvino na Epístola de Tiago, capítulo 5, versículo 16.

16. Confessai vossas faltas uns aos outros.

Em algumas cópias, insere-se a partícula conclusiva, com propriedade; pois ainda quando não é expressa, deve ser subentendida. Ele dissera que os pecados eram perdoados ao enfermo sobre quem os anciãos oravam; agora nos lembra quão proveitoso é expor nossos pecados a nossos irmãos, a saber, que podemos obter o perdão deles por meio de sua intercessão. Esta passagem, bem sei, é explicada por muitos como se referindo à reconciliação de ofensas; pois quem deseja retornar novamente às graças necessariamente deve estar ciente, antes de tudo, de suas próprias faltas e confessá-las. Pois daí ele conclui que o ódio lança raízes, sim, e cresce e se torna irreconhecível, porque cada um, obstinadamente, defende sua própria causa. Muitos, pois, pensam que Tiago realça aqui o modo da reconciliação fraternal, isto é, por mútuo reconhecimento dos pecados. Mas, como já se disse, seu objetivo era diferente; pois ele conecta oração mútua com confissão mútua; notificando com isso que a confissão vale para este fim: para que seja corroborada junto a Deus pelas orações de nossos irmãos; pois quem conhece nossas necessidades se vê estimulado a orar para que sejamos assim assistidos; mas aqueles para quem nossas enfermidades são desconhecidas são mais morosos em trazer-nos ajuda. Surpreendente, deveras, é a tolice ou insinceridade dos papistas que se esforçam em edificar sua sussurrante confissão sobre esta passagem. Pois seria fácil inferir das palavras de Tiago que só aos sacerdotes se deve confessar. Porque, visto que uma confissão mútua, ou, para falar mais claramente, aqui se demanda uma confissão recíproca, a ninguém mais se convida a confessar seus próprios pecados, senão aqueles que, por seu turno, estão aptos a ouvir a confissão de outros; mas isto os sacerdotes reivindicam exclusivamente para si. Então se requer confissão somente deles. Mas, visto que suas puerilidades não merecem refutação, que a explicação genuína e verdadeira, já dada, seja considerada por nós como suficiente. Pois as palavras significam claramente que se requer confissão para nenhum outro propósito senão para que os que conhecem nossos males sejam mais solícitos em propiciar-nos socorro. 
É de muito valor. Para que ninguém pensasse que isto fosse feito sem fruto, ou seja, quando outros oram por nós, ele menciona expressamente o benefício e o efeito da oração. Mas ele designa expressamente a oração de um justo, ou homem justo; porque Deus não ouve os ímpios; tampouco o acesso para Deus está aberto, exceto através de uma boa consciência. Não que nossas orações estejam fundadas em nossa dignidade pessoal, mas porque o coração tem de estar purificado pela fé antes que possamos apresentar-nos diante de Deus. Então Tiago testifica que o justo ou fiel ora por nós beneficamente e não destituído de fruto. Mas, o que ele tem em mente ao acrescentar eficaz ou eficiente, uma vez que parece supérfluo? Porque, se a oração vale muito, então ela é indubitavelmente eficaz. O antigo intérprete o traduziu por “assíduo”; mas isso é forçado. Pois Tiago usa o particípio grego, ἐνεργούμεναι, que significa “operar”. E a sentença pode ser assim traduzida: “Ela vale muito, porque é eficaz”. Como este é um argumento extraído deste princípio, a saber, que Deus não permitirá que as orações dos fiéis sejam vazias ou infrutíferas, daí, pois, ele conclui não injustamente que ela vale muito. Eu, porém, ao contrário, a confinaria ao presente caso; pois é possível dizer, com propriedade, que nossas orações são ἐνεργούμεναι, operantes, quando nos deparamos com alguma necessidade que nos impulsiona a orar com ardor. Oramos diariamente por toda a igreja, para que Deus perdoe seus pecados; mas então nossa oração só é realmente ardente quando saímos em socorro dos que se encontram em tribulação. Mas tal eficácia não pode estar nas orações de nossos irmãos, a menos que saibam que estamos em dificuldades. Daí a razão dada não ser geral, mas deve ser especialmente direcionada para a sentença anterior.



[i] Epístolas Gerais Série Comentários Bíblicos João Calvino Título do Original: Calvin’s Commentaries: The Catholic Epistles Edição baseada na tradução inglesa de T. A. Smail, publicada por Wm. B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids, MI, USA, 1964, e confrontada com a tradução de John Pringle, Baker Book House, Grand Rapids, MI, USA, 1998. • Copyright © Editora Fiel 2013 Primeira Edição em Português 2015.

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