“E os que forem prudentes brilharão como
esplendor do firmamento; e os que a muitos justificarem, como as estrelas
sempre e eternamente.” Daniel 12.3.
Comentário:
A palavra ‘prudente’
significa revestido com intelecto. Alguns a tomam transitivamente, e nesta
passagem sua opinião provavelmente seja correta, porque o ofício de justificar
logo será designado aos prudentes. Mas o primeiro sentido se adéqua melhor ao
capítulo 11, e no versículo 10 ele será expresso em termos absolutos. Daí
significar os que são dotados com inteligência. O anjo aqui confirma o que
acabei de expressar concernente à ressurreição final, e mostra como
desfrutaremos de seus frutos, porque a glória eterna está estabelecida para nós
no céu. Não devemos queixar-nos de sermos tratados injustamente, sempre que
parecemos sofrer abruptamente nas mãos de Deus, porque devemos viver
satisfeitos com a glória celestial e com a perpétua existência daquela vida que
nos foi prometida. Ele então diz os
mestres, ou aqueles que excelem em entendimento, brilharão como a luz do céu. Se o termo ‘mestre’ for preferível,
então há aqui uma figura de linguagem, uma parte sendo pelo todo, e portanto eu
sigo a expressão usual. Ele aplica a frase “dotado com entendimento” aos que
não se apartam do verdadeiro e puro conhecimento de Deus, como a seguir será
explicado mais plenamente. Pois o anjo contrasta o profano que soberba e
desdenhosamente se enfurece contra Deus e contra os fiéis cuja sabedoria é
submeter-se a Deus e ao culto que lhe pertence com a mais pura afeição de suas
mentes. Diremos mais sobre este tema amanhã. Agora, porém, ele diz que os que mantinha
sincera piedade seriam como a luz do firmamento; ou seja, serão herdeiros do
reino do céu, onde desfrutarão daquela glória que excede todo esplendor do
mundo. Sem dúvida, o anjo aqui usa figuras para explicar o que é
incompreensível, significando que nada pode ser encontrado no mundo que corresponda
à glória do povo eleito.
E
os que justificarem a muitos serão como
as estrelas, diz ele. Ele repete a mesma coisa em outros termos, e agora
fala de estrelas, tendo a princípio usado a frase o brilho do firmamento no mesmo sentido; e em vez de “os que são
dotados de entendimento”, ele diz: os
que a muitos justificarem. Sem dúvida, o anjo aqui denota especialmente os
mestres da verdade, porém em minha opinião ele abarca também todos os pios
adoradores de Deus. Nenhum dos filhos de Deus deve confinar sua atenção
particularmente em si, mas, o quanto possível, cada um deve interessar-se no
bem-estar de seus irmãos. Por esta palavra ‘justificar’, o anjo pretende não
que esteja no poder de um homem justificar outro, mas a propriedade de Deus é
aqui transferida para seus ministros. Entrementes, tanto somos claramente
justificados por qualquer ensino que produza fé dentro de nossa esfera, quanto
somos justificados pela fé que procede do ensino. Por que nossa justificação é
sempre atribuída à fé? Porque nossa fé nos conduz a Cristo em quem está a
completa perfeição da justificação, e assim nossa justificação pode ser atribuída
igualmente à fé ensinada e à doutrina, que a ensina. E os que põem diante de
nós este ensino são os ministros de nossa justificação. A afirmação do anjo, em
outros termos, é esta: Os filhos de Deus que se devotam inteiramente a Deus, e
são governados pelo espírito de prudência, apontam o caminho da vida a outros,
não só serão eles mesmos salvos, mas possuirão incomensurável glória muito além
de qualquer coisa que exista neste mundo. Esta é a explicação completa. Daí deduzimos
que a natureza da verdadeira prudência consiste em nos submetermos a Deus como
simples alunos, e em manifestarmos a qualidade adicional de promover
cuidadosamente a salvação de nossos irmãos. O efeito desse nosso labor deve
aumentar nossa coragem e espírito de júbilo. Pois quão grande é a honra
conferida a nós por nosso Pai celestial, quando ele quer que sejamos ministros
de sua justiça! Como diz Tiago: “Irmãos, se alguém dentre vós se tem desviado
da verdade, e alguém o converter, saiba que aquele que fizer converter um
pecador de seu caminho errado, salvará da morte uma alma e cobrirá uma multidão
de pecados.” [ Tg 5.19,20]. Tiago nos
chama de preservadores, justamente como o anjo nos chama de justificadores; nem
o anjo nem o apóstolo deseja detrair algo da glória de Deus, mas com esse modo
de falar o Espírito nos representa como ministros da justificação e da
salvação, quando nos unimos nos mesmos laços a todos quantos necessitam de
nossa assistência e esforços.
Calvino,
João 1509-1564, Daniel, volume 2, capitulo 12 versículo 3/ João Calvino; tradução:
Valter Graciano Martins – São Bernardo do Campo, SP. Edições Parakletos, 2002.
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